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Há 80 anos o pesadelo da guerra terminava

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“Entusiasmo indescritível diante da atracação do navio, cenas comoventes durante o desfile na Avenida Rio Branco, entusiástica recepção aos nossos gloriosos patrícios, aviões da FAB sobrevoaram a cidade, flagrantes fixados pela nossa reportagem durante a memorável parada”. Estas frases publicadas na primeira página do jornal Diário de Notícias buscavam descrever o que foi o dia 18 de julho de 1945, na então capital do País, o Rio de Janeiro, na chegada dos primeiros ex-combatentes da até hoje maior campanha militar do Brasil no exterior, o combate ao nazismo e ao fascismo na Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

Um dos cinco mil brasileiros embarcados no primeiro escalão no começo de julho de 1944 e que retornavam naquele dia era o segundo tenente Italo Diogo Tavares. Trazia entre seus pertences um manuscrito produzido ao longo de 12 meses e meio. Este texto ficaria inédito por 60 anos e só seria revelado após a morte do ex-combatente em 2003. Foi publicado inicialmente pelo filho de Italo, o jornalista Eduardo Diogo Tavares, a partir de junho de 2004, no blog histórico “Diário de Guerra”, reproduzindo os relatos nas datas exatas em que foram escritos 60 anos antes. O sucesso do blog, que chegou a ter mais de 3.000 acessos em poucas horas, levou à publicação do texto em livro, na sua primeira edição, no final de 2005. Com uma segunda edição em 2014/2015, “Nós Vimos a Cobra Fumar – Diário de um jovem tenente brasileiro na Itália durante a II Guerra Mundial” chegou à terceira edição em e-book no ano passado e na versão impressa este ano, com lançamento 80 anos após o retorno dos pracinhas, no dia 18 de julho de 2025.

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O tempo de ineditismo do relato do tenente Italo foi seguido por duas décadas de relevância, com a obra servindo de referência para livros, jornais, revistas, sites e vídeos no Brasil e no exterior. Aos 70 anos da participação da Força Expedicionária Brasileira (FEB) no conflito, em 2014, ganhou a segunda edição e agora, aos 80 anos, chega a uma terceira edição preservando sua principal característica, que é a fidelidade aos fatos. Sem descrição de batalhas épicas, sem atos heroicos incontestáveis, mas com pessoas reais, que sentem medo e frio, alterna momentos de angustia e indignação com namoros e bailes, revelando o conflito com uma visão que não está nos livros de história, como não poderia deixar de ser, ao mostrar a realidade de um jovem carioca levado do Brasil para uma guerra na Europa.

O ano era 2003 quando o diário de Italo chegou às mãos do filho dele junto com objetos e documentos relacionados à campanha da FEB na Itália. A “herança” do militar da reserva, falecido no Rio de Janeiro em 09 de maio de 2002, aos 79 anos, atendia a um pedido antigo feito ao pai: ler o manuscrito e possivelmente publicar. Embora a família soubesse da existência do texto, ele permaneceu guardado e com o conteúdo desconhecido desde o final da guerra, em 1945.

Ainda em 2003 foi iniciado o trabalho de classificação de fotos e documentos, leitura, transcrições, identificação de nomes de lugares e termos em italiano, digitalização de imagens e digitação. A primeira divulgação do texto, no entanto, só aconteceria no ano seguinte, 2004, através de uma ideia original: um blog histórico. Lançado no final de junho daquele ano, o blog “Diário de Guerra” publicou até meados de 2005 os relatos de Italo, dia a dia, exatamente 60 anos depois das datas em que foram escritos. Destacado no portal UOL, o blog chegou a ter mais de três mil acessos em poucas horas, sendo acompanhado como uma novela por muitos leitores.

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A conclusão do relato, com os 60 anos do final da guerra e a volta dos pracinhas ao Brasil, deu início ao projeto de edição do texto em livro. A ideia foi abraçada imediatamente pelo empresário Cleber Pereira, da Gráfica e Editora P&A, que já havia publicado uma obra de Diogo Tavares, “O milagre de Dom Amoroso”, a biografia do abade do Mosteiro de São Bento de Salvador Dom Timóteo Amoroso Anastácio.

Assim, a primeira edição de “Nós vimos a cobra fumar” foi lançada no final de 2005, com exposição e coquetel na Casa da Itália, em Salvador. Distribuída em vários estados do país, a tiragem se esgotaria nos anos seguintes, a publicação ganharia a primeira versão em e-book (Amazon) e seu conteúdo se tornaria referência de reportagens temáticas e fonte para outras obras, como os livros “Batalhas de um pracinha” (Antonio Walter Santim) e “O Itamaraty e a Força Expedicionária Brasileira (FEB)” (Aurimar Jacobino de Barros Nunes). Também teria trechos reproduzidos em sites voltados ao tema da II Guerra no Brasil, na Itália e nos Estados Unidos.

A segunda edição, lançada em 2014 em Barretos (SP), para onde Diogo havia se mudado, foi lançada no museu municipal Ruy Menezes, onde também foi montada uma exposição alusiva ao legado de Italo e aos 70 anos da campanha da FEB. Viabilizada através de parceria com empresas locais, a edição teve a receita da noite de autógrafos e parte da tiragem destinada para a Santa Casa do município, que na época atravessava grande dificuldade de manutenção.

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Recentemente o texto ganhou uma versão narrada no canal Clube Militar no Youtube e, aos 80 anos do final da participação efetiva de tropas do Brasil no conflito mundial, o livro “Nós vimos a cobra fumar” chega a sua terceira edição. Mesmo preservando a diagramação original do miolo, feita pelo designer gráfico Jean Beligardi (P&A), a nova tiragem ganhou textos complementares e uma releitura da capa da primeira edição, com uma imagem de Italo aplicada sobre a paisagem da cidade de Nápoles parcialmente destruída por bombardeios em 1944. Após 30 anos de lançada e nos 102 anos de nascimento do autor, esta obra continua a surpreender e encantar, por revelar o cotidiano dos pracinhas e um caráter humano pouco conhecido da presença da FEB na Itália.

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O entusiasmo com o desembarque dos pracinhas naquele 18 de julho de 1945, 12 dias após a dissolução da FEB, seria seguido por muitas histórias trágicas, com os reflexos da guerra fazendo novas vítimas por causa dos transtornos e da falta de assistência governamental. Já Italo deixaria o diário esquecido entre outras relíquias do front e seguiria a carreira militar até o posto de coronel da ativa. Deixaria como herança um testemunho raro, escrito no calor dos acontecimentos, sem retoques ou exageros heroicos, mas refletindo a indignação dos jovens brasileiros levados para uma terra estranha no maior conflito armado do Sáculo XX.

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Edição 2005

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Edição 2014/2015

O destino do manuscrito original

Durante viagem a Itália no início de 2013, Diogo e a esposa Nádya Argôlo aproveitaram para conhecer os lugares citados no diário de Italo, visitando pontos como a Torre de Nerone, Monte Castelo, Montese, além do antigo cemitério dos soldados brasileiros em Pistoia, hoje Monumento Votivo Militar Brasileiro. Neste tour afetivo e histórico, o casal contou com a companhia do então gestor do Monumento, Mario Pereira. Em cerca de uma semana de viagem pelo Norte da Italia foram visitados locais de combates, monumentos feitos em agradecimento aos “libertadores” pela população italiana, museus e memoriais, antigas casamatas nazistas e construções que serviram de abrigo para as tropas brasileiras.

As fotografias e vídeos da viagem, assim como contato e entrevistas com italianos que ainda recordavam da passagem dos pracinhas, resultaram em dois projetos: o fotolivro “Sobre Guerra e Gratidão” (2013) e o documentário audiovisual “Piazza Brasile” (2014). Em comum as obras revelam a grande gratidão que a população mantém até os dias de hoje pelos “libertadores”, refletido até mesmo em algumas escolas do ensino fundamental, onde são realizadas visitas a memoriais e onde alunos chegam a aprender a cantar a “Canção do Expedicionário” em português.

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Durante visita ao Monumento Votivo, onde um muro de mármore eterniza o nome de todos os soldados brasileiros mortos na Segunda Guerra e uma pira sempre acesa vigia o túmulo do soldado desconhecido, Diogo decidiu o destino do manuscrito do pai. “Como aquele jovem tenente deu voz a dúvidas e indignação dos seus irmãos de armas, as palavras dele merecem ficar perto de onde foram escritas e junto aos que só puderam deixar para o futuro o próprio nome”, escreveu Diogo em texto acrescentado na terceira edição da obra. E conclui: “É neste jardim de cruzes que o sacrifício deles pode inspirar e dar significado ao sentido de humanidade. Onde o maior inimigo não é identificado pelo uniforme, porque é a própria guerra”. Hoje o manuscrito de Italo é um dos itens que podem ser vistos em exposição no memorial do Monumento Votivo de Pistoia.

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Piazza Brasile
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